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A Contribuição de Mazzaropi para o Retrocesso

Última Hora, 4 de fevereiro de 1965. Cine-Ronda.

Nosso povo vive dentro de um estágio cultural condicionado pelo subdesenvolvimento.
Sob tal condição, é natural que a exaltação da mediocridade vingue. Compreende-se que o homem do povo aceite, até por desfastio, o cinema banal, vulgar, incipiente, imbecil. Falta-lhe, além de um gosto apurado, a oportunidade de conhecer obras superiores.

Todavia, quando um homem tido como de cultura, tendo em suas mãos um instrumento de divulgação, senta-se numa poltrona de cinema e aprecia o vulgarismo, a imbecilidade, o primarismo (e ainda recomenda como de alto teor), então, é a mediocridade, é o andar para trás.

Neste caso, ele se emparelha àquele que, na tela, vende por baixo preço, a cretinice.

Isto vem a propósito de Meu Japão Brasileiro e sua indicação por aquele que em tempos idos foi eminente e respeitado crítico cinematográfico, mas hoje vive a destilar o ódio da frustração.

O filme vem rendendo fábulas e o Cine Art-Palácio o colocou em segunda semana, pela primeira vez nos últimos dez anos.

Uma vez dissemos aqui que a linha de comédias do Mazzaropi era aceitável. Não deixa de ser um gênero que tem seu público.

Não contávamos, todavia com a inexistência, em Mazzaropi, do fator evolução, natural no artista (caberia aqui uma discussão estéril, a fim de saber se Mazza é artista ou não. Deixemos pra lá!). Bitolado, fora de época, ausente de tudo que se passa ao seu redor, a Mazzaropi interessa apenas explorar e fomentar o gosto equívoco, não possuindo o cinema, para ele, qualquer implicação cultural.

Infelizmente, Mazza está certo dentro do seu raciocínio que não é longo, ao contrário. Primarismo ainda faz dinheiro. E é incompreensível que homens de talento (?) defendam e estimulem este tipo de atitude. Julgando-se gênio incompreendido, Mazza escreve, dirige, produz, canta e procura cercar-se sempre de gente com nível mais baixo que o dele na realização de suas películas.

Daí tudo descambar para o fundo. Fosse homem de visão, teria ao seu redor uma equipe (os melhores comediantes da televisão utilizam o processo de equipe, hoje em dia; sistema que provou seu funcionamento) para escrever, produzir, dirigir.

Os profissionais de talento e idéias que, por questões de sobrevivência são obrigados (eu disse obrigados) a trabalhar com Mazza, sofrem. O homem não admite sugestões, idéias, planificação. Dizem que ele é correto, paga pontualmente e cria condições, etc.

Se formos julgar a obra por esse lado, poderemos acrescentar: paga pontualmente e mal. Os técnicos de Mazza são os piores pagos da indústria nacional. São os menos considerados, os mais desprezados. Este desprezo, o cômico generaliza e estende ao público, oferecendo sempre não o melhor, mas o pior dos resultados.

Eu diria que Meu Japão Brasileiro é um atentado. Contra o nível que nosso cinema (Icsey, excelente fotógrafo, esmagado, produz imagens que lembram a Metro, em 1946), contra o progresso da forma, do entrecho, da interpretação.

Dentro do seu primarismo, do seu analfabetismo cinematográfico, Mazzaropi contribui para o retrocesso do cinema. Para o retrocesso cultural das platéias.

Ele é o anticinema brasileiro, no ano de 1965. É a cartilha de tudo que não se deve fazer. Fita ótima para ser mostrada em seminários, universidades, cursos e se afirmar: cinema é o oposto disso tudo.

Mesmo como diversão, Meu Japão Brasileiro (será que a colônia nipônica percebeu que o Mazza, passa o tempo todo a gozá-la?) é absolutamente paupérrimo. Falta imaginação, tudo é obvio, chavão, lugar comum, chatice. Um amontoado de planos narcisistas do mau cômico.

Nada mais.