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Sai de baixo, Mazzaropi

Folha de São Paulo, 8 de junho de 1977

Durante todos estes anos bancando o caipira – falso, diga-se – Amácio Mazzaropi não teve nenhum filme que pudesse ser inserido entre os que houve de bom no cinema brasileiro. Mas sempre vendeu seu peixe com sucesso, metido nas roupas dos jecas e pregando uma falsa apologia da bondade. No entanto, seus últimos filmes haviam adquirido uma qualidade técnica mais apurada, seus temas mais recentes tinham um recheio mais plausível – principalmente as sátiras aos exorcistas e outros modelos importados. Presumia-se, assim, que também este “Jecão… Um Fofoqueiro no Céu” (cines Rio Branco, Belas Artes/Centro, Art-Palácio) fosse uma continuidade desse crescimento em qualidade.

Mas Mazzaropi conseguiu, aqui, realizar seu pior trabalho. Um monumento em primarismo, mau gosto e falta de sensibilidade, pecados que, creditados a ele, podem ser também levados à conta de seu inseparável colaborador, Pio Zamuner, a eminência parda do Jeca que o cinema brasileiro já teve e hoje não tem mais. Mazzaropi acabou.

Mais uma vez, no seu filme anual que desta vez chega às platéias com um considerável atraso de cinco meses (ele geralmente lança suas produções em janeiro), o humorista insiste em manter o seu conhecido tipo de andar molenga, fala rançosa e gestos desastrados, agora fazendo o bobalhão que ganha na Loteria Esportiva, perde o sossego guardando dia e noite o dinheiro numa mala bem trancada, é morto por capangas de um fazendeiro gananciosos e vai parar no céu.

Até aí, o filme já é uma piada mal contada e monótona. Depois, pior ainda. Zamuner e Mazzaropi chegaram ao ridículo, desta feita, ao conceberem, com a imaginação de um recém-nascido, a cenografia para o seu céu-inferno. Alguma coisa capaz de espantar até mesmo os que, todos os anos, entram nas longas filas para aguardar, sempre com a expectativa de receber um humor sadio, as farsas mazzaropianas. Que, diga-se, cansaram.

O que Jecão faz no céu é antológico em matéria de mau gosto, desde os seus encontros com Santo Antonio, Tarzan, o pai Jacó e São Gabriel – entre outras falsas figuras num falso ambiente santificado – até o modo como age e reage quando os “anjos” (só garotas, por sinal, como se ele pretendesse desmentir os que dizem que anjo não tem sexo – soam suas trombetas, como se, em vez da porta do céu, estivesse se abrindo a porta dos estúdios da Metro dos anos em que o leão ainda rugia.

A própria platéia que comunga todos os anos com o humorista não pode, diante deste espetáculo mal concebido e mambembe, deixar de ver que entre o Mazzaropi de alguns anos atrás, ligeiro, mais real – embora sempre uma caricatura do caipira – e mais digno de crédito, e o de hoje, existem grandes diferenças. O Jeca está esgotado, como comediante e como tipo. Alquebrado,já faz seu humor com grande esforço, deixou de ser aquela figura, embora sempre ridícula, ainda assim conseguia convencer seu público, muito iel, pelo modo como improvisava suas pantominas.

Hoje, Mazzaropi não passa de uma caricatura de si mesmo: um caipira que perdeu o único elemento que possuía para construir seu tipo, ou seja, a naturalidade. O resultado da persistência é este filme, que pode desde já ser nivelado ao que o cinema brasileiro fez de mais absurdo e primário em todos os seus 80 anos.